"Cinco lições após um ano de guerra" - Mateusz Morawiecki
24.02.2023
Devemos fazer de tudo para garantir que esse maior pesadelo geopolítico do século 21 finalmente acabe. Há exatamente um ano, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou seu ataque militar contra a Ucrânia, quebrando a ordem estabelecida após a Guerra Fria. A segurança e a prosperidade alcançadas pelos esforços de gerações inteiras de europeus estavam à beira do colapso. A Rússia embarcou em sua conquista imperial com um único objetivo em mente: reconstruir a antiga esfera de influência soviética independentemente dos custos e vítimas relacionados. Devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para acabar com o mais terrível pesadelo geopolítico do século XXI. Em que situação nos encontramos hoje? Vimos doze meses de crueldade inédita da Rússia. Meses marcados por bombardeios regulares de escolas, hospitais e prédios civis. Meses em que se contavam as vitímas, ao invés dos dias. Os russos não pouparam ninguém, matando homens, mulheres, velhos e crianças. Os atos de genocídio em Bucha, Irpin e outras cidades fornecem evidências assustadoras de que a Rússia cometeu os crimes mais horrendos. Valas comuns, câmaras de tortura, estupros e sequestros – esta é a verdadeira face da agressão russa. Mas também foi um ano de grande heroísmo da nação ucraniana liderada por Volodymyr Zelensky, uma nação que resistiu ao império do mal da Rússia. Um ano de fé, perseverança e determinação. A Ucrânia está lutando não apenas por sua própria soberania, mas também pela segurança de todo o continente. Como podemos parar esta guerra? O ano passado nos ensinou muitas lições importantes que os países ocidentais devem levar a sério se realmente quiserem viver em paz e segurança.
Lição 1. A guerra diz respeito a todos nós
Precisamos começar nos livrando de uma falsa imagem da invasão russa. Este não é um conflito local. A Rússia tenta incendiar a Europa. Seu objetivo é desestabilizar toda a ordem econômica global.
A agressão contra a Ucrânia faz parte de um plano traçado há muito tempo e implementado por Putin há pelo menos uma década. Já em 2008, durante a invasão da Geórgia pela Rússia, o presidente Lech Kaczyński fez o seguinte alerta: “Sabemos perfeitamente que, hoje, é a Geórgia que está em jogo, amanhã pode ser a Ucrânia, no dia seguinte os estados bálticos e depois talvez meu próprio país, a Polônia”. Essas palavras se tornaram realidade mais cedo do que a Europa esperava. Seis anos depois, em 2014, a Rússia anexou a Crimeia. Hoje, todos nós estamos testemunhando um ataque militar em grande escala contra a Ucrânia. O que o futuro reserva se não pararmos a máquina de guerra russa?
De uma distância de centenas de quilômetros não se ouve o som de bombas explodindo, sirenes de ataque aéreo ou o choro de pais que acabaram de perder seu filho amado em um bombardeio. Mas a distância de Kiev não deve ser usada para apaziguar nossa consciência. Às vezes, temo que o Ocidente seja realmente povoado por muitos onde almoçar em um café favorito ou assistir a uma série da Netflix é mais importante do que a vida e a morte de milhares de ucranianos. Todos nós podemos ver a guerra acontecendo. Ninguém poderá dizer que não sabia do genocídio em Bucha. Estamos todos observando as atrocidades cometidas pelo exército russo. É por isso que não devemos ser indiferentes. Os planos imperiais da Rússia vão além da Ucrânia. Esta guerra diz respeito a todos nós.
Lição 2. A Rússia alimenta a crise econômica global
A guerra na Ucrânia é apenas uma das frentes em que se trava a batalha pelo futuro da Europa. A Rússia também está atacando nossa civilização nas áreas do ciberespaço, da informação e da economia. Carl von Clausewitz disse uma vez que a guerra é uma continuação da política por outros meios. Aparentemente, Vladimir Putin entendeu muito bem esse famoso ditado. Moscou adapta as técnicas de agressão ao adversário que enfrenta. Putin não pode conquistar a Europa militarmente, antes de destruir sua economia.
A crise energética e a inflação global com as quais estamos lutando têm sua origem na agressão imperial da Rússia. O precursor da invasão da Ucrânia foi a política de gás hawkish do Kremlin em julho e agosto de 2021. Na época, a chantagem do gás de Putin levou a aumentos nos preços do gás nos mercados europeus. Este foi apenas o começo.
A Rússia esperava que a paralisação do setor de energia enfraquecesse os países europeus e os convencesse a ficar bem longe da guerra na Ucrânia. Desde o início, a estratégia empregada contra o Ocidente foi escalar a crise. A atividade militar russa é uma das principais razões para o aumento dos preços globais. Todos nós estamos pagando caro pelas decisões tomadas no Kremlin. É hora de entendermos que a crise econômica global é alimentada pela Rússia.
Lição 3. A desputinização é um pré-requisito para a soberania da Europa
Por vários anos, a fraqueza do Ocidente tem sido a força da Rússia. A dependência dos hidrocarbonetos russos, os negócios duvidosos com os oligarcas russos e as concessões totalmente incompreensíveis que a Europa fez, incluindo as relativas à construção do gasoduto Nord Stream 2 – tudo isso pinta um quadro de relações patológicas entre o Ocidente e a Rússia. Muitos governos europeus acreditavam que poderiam concluir contratos perfeitamente normais com Moscou. Na verdade, os contratos acabaram por ser pactos com o Diabo onde estava em jogo a alma da Europa.
É por isso que voltar ao “business as usual” é impossível. Não se pode normalizar as relações com um regime criminoso. Já é tempo da Europa se tornar independente da Rússia, especialmente no setor de energia. A Polônia há muito enfatiza a necessidade de diversificar os suprimentos de petróleo e gás. Novas fontes desses produtos abrem novas oportunidades. A desputinização, ou seja, o rompimento com a máquina ditatorial de violência criada por Putin, é um requisito para a soberania da Europa.
Lição 4. A solidariedade é mais forte que o medo
A guerra já mudou a Europa. Invadindo a Ucrânia, a Rússia esperava que o Ocidente não acordasse do sono geopolítico em que caiu anos atrás, quando ingenuamente acreditava no mito do “fim da história”. A Rússia calculou mal. Quiserem nos dividir, mas nos tornamos mais unidos do que nunca.
Como em qualquer outro regime totalitário, a arma mais poderosa do Kremlin é o medo. Devemos enfrentar as ameaças e chantagens russas com solidariedade. A ajuda para a Ucrânia já está vindo de todos os cantos do mundo na forma de alimentos, suprimentos e armas. O que estamos dando à Ucrânia é esperança e uma chance de vitória.
A aprovação da Alemanha para enviar os tanques Leopard para a Ucrânia – uma aprovação que a Polônia pediu – é de grande importância aqui. Já sabemos que os veículos produzidos na Alemanha serão acompanhados pelos tanques Americanos Abrams. No final, cálculos frios foram postos de lado em favor da razão de Estado euro-atlântica. A OTAN provou que, além de ser a aliança militar mais poderosa do mundo, também está verdadeiramente unida. Juntos venceremos o mal. A solidariedade é mais forte que o medo.
Lição 5. Reconstruir a Ucrânia e fortalecer a Europa
A vitória na luta contra a Rússia está mais próxima não apenas graças aos sucessos do exército ucraniano, mas também porque o urso russo foi enfraquecido pelas sanções. Devemos isso ao Ocidente, que formou uma forte aliança pela liberdade. No entanto, derrotar a Rússia na luta atual não é suficiente. Para vencer a guerra, precisamos construir uma estrutura de segurança inteiramente nova, tanto política quanto economicamente.
Quais serão os alicerces da nossa casa europeia comum? A segurança é fruto de uma união alicerçada nos valores e interesses compartilhados e consolidada por fortes laços econômicos e sociais. Não sairemos da crise econômica com a conflagração da guerra às portas da Europa.
Estamos perante dois cenários do futuro da Europa. Ou a Ucrânia vence e há paz no continente, ou a vencedora é a Rússia e o imperialismo de Putin está livre para se expandir. Se a Ucrânia quiser sair vitoriosa, precisamos começar a pensar em uma mudança de paradigma na política europeia ainda hoje. A ideia de uma comunidade de segurança e paz é agora o único modelo de desenvolvimento possível.
Exatamente um ano após o início da guerra, temos um objetivo comum a ser perseguido em solidariedade: reconstruir a Ucrânia e fortalecer a Europa.
Mateusz Morawiecki
O texto foi publicado em cooperação com o mensal polonês “Wszystko co Najważniejsze” como parte de um projeto histórico envolvendo o Instituto de Memória Nacional e a Fundação Nacional Polonesa.
Mateusz MORAWIECKI
Primeiro-Ministro da República da Polônia. Membro da equipe que negociou as condições de adesão da Polônia à UE. Graduado em História pela Universidade de Wrocław e Administração de Empresas pela Universidade de Wrocław de Ciência e Tecnologia e
Universidade Estadual Central de Connecticut.