Comunismo era indefensível
18.12.2020
Nos anos 70 era jornalista no semanário "Le Nouvel Observateur", especializado nos movimentos dissidentes nos países do bloco comunista. Isso deu-me uma oportunidade única para ver de perto a natureza da União Soviética e dos seus Estados satélites. Rapidamente percebi que a história do comunismo na Europa era de facto a história da sua queda.
Os regimes vassalos do Moscovo não sabiam gerir as suas economias. Na verdade, o único projeto comunista eficiente parecia ser a Nova Política Económica (NEP), lançada pelo Lenin em 1921. Depois disso, seguiram-se só os fracassos. Essa foi uma das razões pelas quais os governos comunistas recorreram ao terror. A violência tornou-se um atributo principal dos regimes no poder na União Soviética e nos países da Europa Central e de Leste. Enquanto conseguiam conter o fogo revolucionário, essa tendência não se notava tanto. No entanto, uma vez instalada a estagnação, o sistema inteiro entrou em colapso.
Nos países da Europa Central a queda do comunismo chegou quase ao mesmo tempo: em 1989. Essa coincidência e muitas semelhanças no processo fazem com que é tentador fazer generalizações. Mas isso seria um erro, pois a evolução do sistema não foi uniforme, e diferia entre os países de tão forma, que até se poderia falar dos diversos variantes do socialismo. Por exemplo, quando visitei a Roménia liderada por Nicolae Ceausescu, simplesmente tinha medo. Por outro lado, durante a minha estadia na Polónia, esse não foi o caso. Naturalmente os dois países eram regimes comunistas que não permitiam nem pluralismo político nem liberdade de imprensa. Ainda assim, na Polónia era possível discutir praticamente qualquer assunto em privado, enquanto na Roménia isso era impensável.
Desde 1956 começou na Polónia o processo contínuo de alargamento das liberdades civis, resultante dos protestos de trabalhadores e das exigências sociais (1968, 1970, 1976, 1980). Na Roménia, aconteceu o contrário. Enquanto na política externa o Ceausescu sublinhava a sua independência do Moscovo (manteve relações diplomáticas com o Israel e mandou os atletas para os Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984, apesar do boicote dos outros países comunistas), na política interna o seu regime era nada mais que uma versão romena do estalinismo, assustadoramente severa.
A imagem era diferente na Checoslováquia. O Partido Comunista que estava no poder recusou a destalinização em 1956, e só em 1968 os checos começaram a forçar as mudanças. Quando começaram, foram confrontados com uma invasão soviética. Desta forma a União Soviética bloqueou quaisquer reformas no país nos próximos 30 anos. Apesar do regime Checoslovaco não ser tão cruel como o romeno, a situação em Praga era diferente da situação em Varsóvia, em Budapeste (onde havia muita abertura) ou noutros países da região.
O comunismo na Europa Central em cada país tinha matiz diferente. As diferenças resultavam em grande parte das circunstâncias históricas. Por exemplo, o Partido Comunista da Checoslováquia já tinha grande apoio ainda antes da Segunda Guerra Mundial. Quando os comunistas chegaram ao poder em 1945, sabiam como beneficiar dessa popularidade, um recurso que continuou viável praticamente até aos primeiros protestos da Revolução de Veludo. Por outro lado, na Polónia, os comunistas nunca eram bem-vindos, e por isso não conseguiram obter um apoio popular. Ainda por cima, os polacos eram tradicionalmente anti-russos e sabiam perfeitamente que o novo regime tinha autorização do Moscovo.
As relações entre as autoridades comunistas e a sociedade polaca sempre foram tensas. Além disso, na Polónia quase ninguém acreditava no comunismo. Edward Gierek, que conseguiu uma estabilidade económica após a revolta de dezembro de 1970, foi o único líder que percebia que os polacos nunca iam ser convertidos ao comunismo através do terror ou fogo revolucionário. Por isso, tentou usar os argumentos económicos, e hoje em dia já sabemos que foi quem esteve mais próximo de conquistar o povo. Sem dúvida teve mais sucesso que Gomułka ou Jaruzelski. Esse último, quando percebeu que a sua situação era terrível, concordou finalmente à transição económica em 1989. De forma parecida atuaram os outros líderes comunistas na Europa Central. E assim caiu o sistema.
Não foram os dissidentes que causaram a queda do comunismo. Nem foi o João Paulo II, nem o Ronald Reagan. Foi o próprio comunismo que levou à sua derrota. Naturalmente não se deve menosprezar o papel dos dissidentes, do Papa e do Presidente Americano. Se não fosse para as suas ações, os comunistas podiam se mantido no poder por mais 10 ou 20 anos. No entanto, mais cedo ou mais tarde, o sistema teria caído. Porque o seu maior defeito eram os problemas que gerava e que não sabia resolver.
Bernard Guetta é eurodeputado francês (Renew Europe). Entre 1978 e 1980 jornalista de "Le Monde", especializado na Europa Central; depois dirigia "L’Expansion" e "Le Nouvel Observateur."
Texto publicado em simultâneo com a revista mensal polaca de opinião "Wszystko Co Najważniejsze" (“O Mais Importante”), no âmbito do projeto realizado com o Instituto da Memória Nacional.