Artigo do primeiro-ministro da Polónia em La Stampa
08.05.2020
O diário italiano La Stampa publicou, no dia 8 de maio de 2020 um artigo da autoria do primeiro-ministro da Polónia Mateusz Morawiecki.
A Segunda Guerra Mundial acabou com a capitulação da Alemanha, com a assinatura da Alemanha e dos aliados, a 7 de maio há 75 anos atrás, e com a entrada em vigor um dia mais tarde, pois Estaline exigia o reconhecimento de papel do Exército Vermelho na libertação do Berlim. O marechal Gueorgui Júkov assinou o instrumento de rendição alemão junto com o marechal do campo Wilhelm Keitel na noite de 8 de maio de 1945, quando em Moscovo, por causa de fuso horário, já era 9 de maio. Enquanto a Europa e os Estados Unidos celebram o aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial hoje, para o Moscovo o Dia da Vitória, comemorado habitualmente com um grande desfile na Praça Vermelha, é amanhã. Nessa entrevista, o Primeiro-Ministro polaco Mateusz Morawiecki, reflete connosco sobre o significado da História para o seu país e como ela afeta Europa de hoje em dia.
Senhor Primeiro-Ministro, a pandemia do coronavírus obrigou o Moscovo de anular as celebrações por ocasião da Segunda Guerra Mundial, mas as autoridades da Polónia não foram convidadas de qualquer forma. Será porque as autoridades da Rússia não foram convidadas para o 80º aniversário do início da guerra, no dia 1 de setembro do ano passado?
A exclusão da Polónia das celebrações representa uma condição imposta por Moscovo que significa apenas uma coisa: para participar no debate histórico deve-se concordar com a narrativa russa. Mas para a Polónia isso significaria concordar com uma mentira: não podemos deixar acontecer que se troque de lugares a vítima e o agressor. O pacto Molotov–Ribbentrop é uma prova direta das preparações da agressão conjunta contra a Polónia, da divisão de esferas de influência e da ocupação dos outros países bálticos - Lituânia, Letónia e Estónia. Na consequência desta decisão milhões de cidadãos foram sujeitos às repressões em massa.
Os russos acusam-vos de falta de respeito à memória dos soldados do Exército Vermelho, que morreram na luta contra nazis. O que vai responder a essas acusações?
O Exército Vermelho permaneceu no solo polaco durante cerca de 50 anos, impondo implementação de um regime, do comunismo, rejeitado pela esmagadora maioria dos polacos. As ações do Exército Vermelho no nosso território não tinham como objetivo a restauração da nossa independência, mas pelo contrário, retirar outra vez a nossa soberania. Para a recuperação da qual tivemos que esperar até 1989.
Muitos dos monumentos foram desmontados…
É preciso distinguir a desmontagem, ou a transformação em objetos de museu, dos monumentos-símbolos de escravatura da Polónia, do respeito para o enterro dos soldados do Exército Vermelho. As autoridades polacas cuidam dos sítios de enterro de todos os soldados que morreram no nosso solo, independente da sua nacionalidade. Todos esses túmulos são mantidos e renovados dos fundos públicos polacos. Esperava o mesmo respeito na Rússia para os sítios de enterro dos polacos - vítimas das repressões soviéticas.
Um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial, no dia 8 de junho de 1946, teve lugar a Parada de Vitória em Londres, para a qual os polacos também não foram convidados. Este ano havia planos de organização dum evento semelhante, só agora com a participação dos veteranos polacos. Como explica esse intervalo de tempo?
Os polacos durante a Segunda Guerra Mundial não só cumpriram as suas obrigações de aliados, participando nas ações de defesa na França e na Grã-Bretanha, mas lutaram ao lado dos aliados desde 1939 até ao final da guerra. Foram heróis na luta em muitas frentes, os exemplos são feitos tais como a conquista do Monte Casino pelas tropas do general Anders ou a contribuição dos aviadores polacos durante e Batalha da Grã-Bretanha. Infelizmente, por causa da participação da Europa na guerra fria e estando a Polónia sob a influência da União Soviética, os heróis polacos não receberam a reabilitação. Muitos dos líderes tais como general Sosabowski ou general Maczek permaneceram no estrangeiro até ao seu fim de vida, exercendo trabalho físico duro. Mais do que isso, parte deles foi privada da cidadania polaca, e os que decidiram viver na Polónia, tais como Capitão de Cavalaria Witold Pilecki, que ficou preso voluntariamente no Auschwitz para transmitir informações aos aliados, foram condenados a morte pelas autoridades comunistas.
Acha que a Europa tem a percepção correta da história e da memória polacas?
Os crimes da Alemanha nazista e da Rússia soviética reivindicaram milhões de vidas inocentes. Os polacos estão cientes da importância de comemorar as vítimas. Um exemplo particular disso são os locais de antigos campos de concentração alemães construídos nos territórios polacos ocupados. O estado polaco mantém e protege locais de execução como Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Majdanek. Observo com cuidado e ansiedade o destino de locais de memória noutros países, incluindo os restos do campo de Gusen na Áustria. É um local de execução da intelligentsia polaca, o extermínio de judeus polacos e europeus, mas também vários milhares de cidadãos italianos. No total, cidadãos de até 26 países foram presos e assassinados no sistema Mauthausen-Gusen. Até hoje, apesar das iniciativas valiosas da população local, ainda não chegámos a ver a verdadeira ação do estado austríaco. É por isso que mantenho a minha disposição de tomar a iniciativa de comprar essas áreas para comemorar e construir um centro educacional. Como um aviso para as gerações futuras, nunca mais para um atropelamento da dignidade humana no futuro.
Alguns dizem que a Rússia e a China estão a aproveitar a fraqueza de um país particularmente afetado pelo vírus, como a Itália, para conduzir sua propaganda política sob o pretexto de assistência médica. Você concorda com esta opinião?
Diante da luta contra o coronavírus, devemos agir em solidariedade, porque o vírus não conhece fronteiras e ataca toda a população. No entanto, não se pode acreditar ingenuamente que todas as manifestações de assistência internacional, especialmente aquelas oferecidas por países que lutam pelo domínio do mundo, como a Rússia ou a China, resultarão apenas de motivos altruístas. A assistência na luta contra o coronavírus deve consistir em fornecer produtos de boa qualidade, compartilhar experiências e missões de equipes médicas, sem estabelecer condições, sem interferir nos assuntos internos do país que utiliza essa assistência. Devemos estar extremamente sensíveis para que ninguém use o momento de fraqueza causado pela pandemia e pela crise económica iminente para romper as nossas alianças e ameaçar a nossa segurança.
A Rússia e a China são um importante parceiro comercial da Europa: quais são, na sua opinião, as possibilidades de seguir uma política de cooperação que respeite os interesses da Europa?
A pandemia de coronavírus fez-nos perceber a fragilidade da nossa ordem socioeconómica. Mostrou o quanto a Europa depende, mesmo das cadeias de suprimentos de outros continentes. Deveríamos manter relações com esses países, mas não à custa da nossa solidariedade interna europeia.
Falando em solidariedade: Não acha que a Polónia, em termos de migrantes, não era muito solidária com a Itália?
A crise migratória foi uma prova decisiva de responsabilidade dos governantes da Europa. Desde o início da crise, enfatizámos a necessidade de ações paralelas em duas vertentes: a ajuda humanitária deveria ter sido direcionada para as regiões mais necessitadas e inflamadas e deveriam ser tomadas medidas para selar a fronteira externa da UE, de modo que a travessia ilegal se tornasse impossível.
Segundo os dados da OCDE, a Polónia recebeu nos últimos anos o maior número de imigrantes do mundo, com um número significativo sendo ucranianos. Alguns deles são pessoas que fogem da guerra. Estamos em solidariedade com os necessitados.
A Polónia apoia a política de defesa europeia conjunta?
Na Polónia, levamos muito a sério as questões relacionadas à segurança de nosso país e de toda a UE. O início da guerra no leste da Ucrânia e a anexação russa da Crimeia em 2014 são um sinal claro de que a ameaça é real. Como um dos poucos membros da Aliança Atlântica, cumprimos o nosso compromisso de financiar as forças armadas em 2,0% do PIB. Estamos envolvidos em iniciativas da UE como parte da cooperação estruturada militar em curso da PESCO. Sim, a Europa deve falar a uma só voz em questões de segurança.
A Comissão iniciou o processo de infração contra a Polónia por causa da lei que comprometeria a independência dos juízes polacos e seria incompatível com o princípio da primazia do direito da UE. Como seu governo reagirá?
Mantemos a posição de que a organização do judiciário é uma decisão soberana dos Estados Membros. A Polónia, de acordo com a constituição atual, luta pela honestidade e transparência do judiciário. Estamos cientes de que nem a todos essa honestidade é conveniente mas tenho o prazer de dizer que não estamos sozinhos nessas atividades: o governo eslovaco também anunciou um programa de reformas no campo da justiça.
Qual é a posição da Polónia em relação à ajuda que deve ser fornecida às economias dos países mais afetados pelo coronavírus?
Precisamos de um novo plano Marshall baseado em investimentos europeus, que alavanque o desenvolvimento económico. As diferenças nas economias da UE significam que é impossível aplicar um mecanismo a todos os países. É por isso que precisamos entender a situação dos países do Sul, de mesma forma que esperamos que sejam entendidas as nossas necessidades. Deveríamos elaborar um orçamento ambicioso, cuja verdadeira ajuda chegará aos cidadãos necessitados o mais rápido possível.