Entrevista com primeiro-ministro Mateusz Morawiecki no Frankfurter Allgemeine Zeitung
03.12.2020
Em 3 de dezembro de 2020 diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung publicou uma entrevista com o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki.
A entrevista está disponível no site do jornal.
Segue, em baixo, a versão portuguesa da entrevista.
FRANKFURTER ALLGEMEINE ZEITUNG
"The EU tends to take its failures out on Poland and Hungary"
Senhor Primeiro-Ministro, o atual conflito dentro da UE poderia ter o mesmo título que uma comédia polaca popular: “O dinheiro não é tudo”. Quais são os valores em nome dos quais a Polónia e a Hungria estão dispostas a arriscar milhares de milhões da UE e virar contra si outros países da EU?
Eu invertia a pergunta: quais são os valores em nome dos quais a Comissão Europeia e o Parlamento criam uma situação em que os princípios dos Tratados Europeus podem ser contornados? É como se os atos jurídicos alemães fossem de repente colocados acima da Constituição.
Para si, o pomo de discórdia nesta presente situação legislativa da UE, é o planeado sistema de "conditionality to protect the EU budget". Bruxelas quer proteger o Estado de Direito e a separação dos poderes na Polónia e na Hungria. Qual é o problema disso?
A nossa preocupação principal é que esse mecanismo pode ser usado de uma maneira muito arbitrária e para os fins políticos. Hoje alguém não gosta do governo polaco e castiga-o no pelourinho. Amanhã poderia ser o governo da Itália ou de Portugal, então vamos tirar os fundos a eles. É este o paradoxo: o mecanismo contorna os tratados. É suposto proteger o Estado de Direito, mas em si é uma violação fundamental do mesmo.
O antigo presidente de Varsóvia, o liberal Pawel Piskorski, critica o mecanismo considerando-o uma revolução de bastidores, que vai centralizar fortemente o poder dentro da UE. Em resultado poderá haver uma turbulência no mercado bolsista, uma congelação dos investimentos, uma crise grave no país. Seria um grande perigo se um dia pessoas como a Marine Le Pen tivessem a maioria na UE. Partilha esse ponto de vista?
O processo é perigoso por várias razões. O Serviço Jurídico da UE e o Tribunal de Contas Europeu já estabeleceram que o mecanismo cria o risco de insegurança jurídica. A boa lei deve ser universal, não particular. Este mecanismo é uma expressão de particularismo. Pode ser usado de uma forma abusiva. Um poderia usá-lo com consequências fatais para a UE. Com essa porta uma vez aberta, ninguém conseguiria fechá-la.
O seu colega húngaro, Viktor Orban, e o Senhor, os dois lutaram contra a ditadura antes de 1989. O Senhor Primeiro-Ministro foi fisicamente abusado pela segurança do Estado. Naquela altura, o vosso sonho era que os ocupantes soviéticos se retirassem e que os vossos países se juntassem à Europa unida.
Correto. Naquela altura ninguém pudesse imaginar que a Cortina de Ferro iria cair. Mas a persistência do “Solidariedade” polaco, e a política consistente dos Estados Unidos levou à queda da União Soviética. Depois disso trabalhamos para criar uma Europa livre, forte e unida. Mas os nossos aliados as vezes têm pouca compreensão para a nossa história e nosso caminho difícil, algo que foi acertadamente observado pelo Primeiro-Ministro da Eslovénia na sua recente carta aos líderes da UE.
A unificação da Europa ocorreu em 2004 e em termos económicos ajudou muitos países. Mas parece que algo correu mal. Quando e o que isso foi?
Nós não vemos isso dessa maneira. Foi uma situação benéfica para todos. Na Polónia toda a gente consegue ver o grande progresso que teve lugar desde 2004. A Europa Ocidental também ficou muito beneficiada com o alargamento da UE. É precisamente por essa razão que nos sentimos responsáveis pelo futuro da UE.
No entanto, existe um choque entre as duas partes da Europa. Não seria causado pelos fatores semelhantes aos do choque entre a Alemanha de Leste e Alemanha Ocidental?
A história da Alemanha pós-guerra é marcada pela divisão. É por essa razão que os alemães que sabem o que é “o legado do comunismo”, conseguem compreender melhor os países de leste. Todos os povos são diferentes, de maneiras diferentes. O entendimento mútuo e a cooperação são cruciais. Somos uma Europa de pátrias e assim deveria permanecer. Não acho que a grande união de transferências seria aceitável para a maioria dos países da UE.
Na Polónia pode-se ouvir as seguintes opiniões: o Ocidente já não é tão atrativo como era antes de 1989. Foi abalado pelas crises e perdeu o seu sentido de direção. Partilha essa ideia?
A UE parece um casamento que está em crise. Por trás disso há a crise financeira. O Brexit está a experienciar desequilíbrios crescentes, observados atentamente pelo Bundesbank. E tende-se a descontar na Polónia e na Hungria. Está na altura de um exame de consciência: o que correu mal? Será, por exemplo, que o euro levou às diferenças ainda mais profundas? O que a moeda trouxe à Itália, que está em estagnação por mais de 20 anos?
Da Itália chegam os apelos para anular a dívida desse país tão endividado. Apoiava essa ideia?
Esses apelos dizem respeito primeiramente às dívidas relacionadas com o coronavírus. Não rejeitava algo assim desde o princípio, pois o “cisne preto” que é este vírus e as despesas adicionais imprevistas não representam a situação de apenas um país. Para sair desta crise sem precedentes seria também boa ideia de deixar de lado quaisquer ataques de motivação ideológica à soberania dos países individuais, feitos sob pretexto de “condicionalidade” dos fundos da UE, e prosseguir rapidamente ao programa de reconstrução.
Apoiou ativamente a integração da Europa, por exemplo no cargo do chefe de um grande banco polaco. Quando foi, para si pessoalmente, o momento em que o ceticismo em relação à UE começou?
O mercado único é uma enorme mais-valia. Sem dúvida para a Alemanha, sem dúvida para a Polónia. Este é o feito principal da Europa unida. E ainda há mais para fazer nessa área. Mas nós na Polónia também sabemos o que significa ter uma ordem imposta por uma autoridade central. É assim que era a União Soviética: um distante Comité Central, uma independência fictícia e os direitos iguais para os “países parceiros”, em contraste com uma dependência efetiva, exploração e neocolonialismo. Uma democracia falsa em que as pessoas não conseguem viver de acordo com os seus valores. É apenas uma lembrança dos tempos que felizmente passaram. Mas devemos aprender com isso.
Para além da Hungria, quem são os vossos aliados nesta atual batalha defensiva?
A batalha em que estamos é contra a pandemia. O debate sobre o mecanismo controverso da UE é difícil. Tudo isto é ainda mais difícil e importante porque o resultado vai influenciar a direção futura da UE. Vamos continuar a defender a Europa das pátrias em oposição às ideias ousadas dos integradores que atuam de acordo com o lema “one size fits all”.
Vários ministros no seu governo falaram sobre uma “guerra cultural” que divide a Europa hoje em dia. Essa diz respeito às questões de migração, segurança interna, definição de família, o papel da Igreja e o secularismo. Será que, talvez, as preocupações da Polónia em relação à UE correspondam a esses domínios políticos?
Guerra cultural é um termo muito forte. Mas não há dúvidas que hoje em dia temos diferenças significantes nessas áreas. Acho que o respeito pela diversidade devia incluir também a aceitação de culturas específicas de cada estado-membro. Os polacos veem muitas coisas de uma forma diferente que os alemães ou os franceses, e os alemães são diferentes dos espanhóis. Como o chefe de governo que representa os polacos procuro obter garantias que a especificidade da Polónia será respeitada.
Se a Polónia e a Hungria mantivessem o seu veto, a maioria dos países da UE poderia criar um fundo de recuperação de coronavírus sem esses países, e a Polónia poderia perder milhares de milhões de euros. O que vai dizer aos seus eleitores sobre isso?
Estamos a lutar para ter a certeza que nenhum país, hoje ou amanhã, tenha um financiamento negado com base num mecanismo arbitrário e não transparente. É uma questão de confiança fundamental em que se baseia a lei europeia. Não podemos permitir que os regulamentos errados, potencialmente muito destrutivos para toda a UE, passem junto às soluções positivas como o fundo de coronavírus.
Há ainda espaço para um compromisso?
Cada euro dos fundos da UE deve ser gasto de uma forma justa. Já agora, por todos. Por cada euro que a Polónia recebe da UE, 75 cêntimos voltam para a Alemanha, para a Europa Ocidental, para centenas de empresas como a Siemens e Hochtief, que têm os seus negócios aqui. Não pode haver corrupção ou apropriação indevida dos fundos da UE. O meu governo tem tido muito sucesso no combate à corrupção.
Seria uma boa proposta de compromisso de colocar o procedimento do artigo 7, sobre o Estado de Direito na Polónia e na Hugria, à votação no Conselho Europeu e assim concluir esse assunto?
Sim. É bom seguir as suas próprias regras. Mas vamos ver primeiro se o artigo 7 se aplica neste caso.
A presidência do Donald Trump foi uma altura de irritação e incerteza para o Ocidente. Parece que passou o tempo suficiente para perguntar: está contente com a vitória do Joe Biden?
A Polónia e os Estados Unidos partilham o respeito mútuo e os valores tais como o amor à liberdade, mas também os interesses comuns. É uma aliança permanente. Tenho a certeza que a cooperação com o Presidente Biden vai ser tão boa como a anterior.
Entrevista pelo Gerhard Gnauck