Frédéric Chopin, poeta da liberdade polaca
22.01.2023
Há 160 anos, em setembro de 1863, durante a Insurreição de Janeiro, os russos demoliram o Palácio Zamoyski em Varsóvia, atirando pela janela o piano que se encontrava nos interiores, e que Fryderyk Chopin costumava tocar. Este momento ficou para a história.
A música de Fryderyk Chopin despertava sentimentos patrióticos mesmo antes das suas partituras saírem das prensas de impressão. Mesmo quando era conhecido apenas como o filho do proprietário de uma das melhores pensões de Varsóvia, atuava para os seus colegas à noite, improvisando sobre temas históricos. Mais tarde, os convidados do seu salão em Paris podiam ouvir os poemas inteiros, dos quais só fragmentos vertia em papel. O caráter nacionalista e patriótica do seu trabalho não era visível apenas para os polacos. Foi já reconhecido por Robert Schumann, o primeiro crítico internacional do jovem Chopin (foi ele quem escreveu sobre as Variações Op. 2 de Chopin: "Tirem o chapéu cavalheiros, um génio!"). Na sua crítica dos Concertos para Piano, Schumann caracteriza o artista aludindo à Insurreição de Novembro: "Assim se levantou, munido do mais profundo conhecimento da sua arte, consciente do seu poder e, portanto, armado de coragem, quando em 1830 a poderosa voz dos povos se fez ouvir no Ocidente. Centenas de jovens aguardavam esse momento, mas Chopin foi o primeiro a chegar às muralhas [....]. O destino tinha preparado algo mais para o encontro com um novo tempo e novas relações: distinguiu Chopin e tornou-o interessante através da sua expressiva e original nacionalidade polaca. [...] se o monarca autocrático [o czar] soubesse o quão perigoso inimigo o ameaçava nas obras de Chopin, nas melodias simples das mazurcas, iria proibi-las. As composições de Chopin são canhões escondidos em flores". Os ecos da canção insurrecional Litwinka de Kurpiński na Op. 49 ou os desenvolvimentos “heroicos” da polonesa (op. 53) foram evidentes imediatamente após a audição.
O próprio Chopin também deixou inúmeras provas de empenho patriótico. O início da insurreição de 1830 foi um ponto de viragem no seu estilo musical. Foi então, quando amigos o impediram, quase à força, de regressar e lutar, que o Chopin escrevia que à noite "trovejava ao piano". Começou a introduzir sons escuros, contrastes violentos e numerosas passagens cromáticas que quebravam a simplicidade clássica do estilo maior-menor. Segundo os relatos familiares, foi também nessa altura que escreveu o Estudo em Dó menor, chamado "Revolucionário", o violento Scherzo em Si menor, e até um rascunho do Prelúdio em Ré menor, publicado muitos anos mais tarde na Op. 28, alusiva ao Das Wohltemperierte Klavier de Bach.
Chopin foi também bem orientado na situação geopolítica, o que é melhor evidenciado numa carta a Julian Fontana de abril de 1848, na qual escreve, entre outras coisas: "O nosso povo está reunido em Poznań. Czartoryski foi o primeiro a lá ir, mas Deus sabe como tudo irá correr [...] haverá coisas terríveis, mas no fim de tudo haverá a Polónia esplêndida e grande, numa só palavra: Polónia".
Quando em setembro de 1863 (14 anos após a morte do compositor) o exército russo, em retaliação à tentativa falhada dos participantes da Insurreição de Janeiro contra o Governador Theodor Berg, demoliu o Palácio Zamoyski em Varsóvia, provavelmente ninguém se apercebia de que a destruição do piano ali situado ganharia uma dimensão simbólica. Cyprian Kamil Norwid, que na sua juventude conheceu Chopin em Paris, imortalizou este momento, elevando-o no seu famoso poema "O Piano de Chopin" ao nível de um choque de culturas e sistemas de valores. Esse foi um ato importante de inclusão das obras de Chopin no discurso da luta pela independência, o que foi provavelmente mais claramente demonstrado por Ignacy Jan Paderewski no seu famoso discurso em Lviv no centenário do nascimento do compositor (1910), que, por sua vez, abriu o caminho para o envolvimento político do futuro Primeiro-Ministro do governo polaco: "Em Chopin há tudo o que nos era proibido: túnicas kontush coloridas, faixas douradas, [...] o som dos sabres da nobreza, o brilho das nossas foices camponesas, o gemido de um peito ferido, a rebelião de um espírito acorrentado, [...] a dor da escravidão, o lamento pela liberdade, a maldição dos tiranos e o alegre cântico das vitórias". É por isso que durante a Segunda Guerra Mundial as autoridades de ocupação alemãs proibiram as suas obras.
Hoje, na Polónia do século XXI, a música de Chopin ainda ocupa um lugar especial. De cinco em cinco anos, durante o concurso de Chopin, milhões de polacos acompanham o concurso e Varsóvia está repleta da sua música, desde a filarmónica até aos táxis. Contudo, hoje também compreendemos o extraordinário universalismo da obra de Chopin, que, graças à sua genialidade, toca corações no mundo inteiro e ajuda a construir comunidades internacionais de amantes da verdade e da beleza.
Artur SZKLENER
Texto publicado em simultâneo com a revista de opinião mensal Wszystko Co Najważniejsze [O Mais Importante] no âmbito do projeto realizado com o Instituto de Memória Nacional e a Fundação Nacional Polaca.