Mensagem do Presidente da Polónia por ocasião do 75º aniversário da libertação do campo de extermínio alemão nazi KL Auschwitz
23.01.2020
Convidamos à leitura da mensagem do Presidente da Polónia por ocasião do 75º aniversário da libertação do campo de extermínio alemão nazi KL Auschwitz
Artigo por ocasião da celebração
do Dia Internacional em Memória
das Vítimas do Holocausto
VERDADE QUE NÃO PODE PERECER
Presidente da República da Polónia Andrzej Duda no 75º aniversário da libertação
do campo de extermínio alemão nazi KL Auschwitz
Em 27 de janeiro de 1945, soldados soviéticos libertaram o campo de extermínio alemão nazi em Auschwitz. O que ali encontraram ainda hoje desperta o maior pavor e reflexo da condenação moral absoluta.
Quase 7.000 prisioneiros recuperaram a sua liberdade. Antes, de 17 a 21 de janeiro, cerca de 56.000 prisioneiros foram levados de KL Auschwitz e os seus subcampos em marchas de morte devastadoras, rumo ao território do Terceiro Reich. No campo permaneceram pessoas-sombras, permanentemente mutiladas por torturas físicas e psicológicas inimagináveis. De maneira milagrosa, sobreviveram às condições de vida desumanas, fome, geada, doenças, trabalho forçado, espancamentos, perseguições sem piedade, gritos e insultos. Alguns foram vítimas de experimentos médicos criminosos. Todos os dias olhavam para a morte dos seus companheiros na miséria: homens, mulheres, idosos e deficientes e crianças. Testemunharam inúmeras execuções, incluindo àquelas que a SS realizou para entretenimento cruel. Alguns prisioneiros foram forçados a levar os corpos de pessoas assassinadas em câmaras de gás e queimá-los em crematórios, com a consciência de que o mesmo destino os esperava.
Esta é apenas uma breve descrição do inferno na Terra, que foi Konzentrationslager Auschwitz: um lugar em que mais de um milhão de judeus e milhares de vítimas de outras nacionalidades foram mortos, incluindo polacos, povo roma, sinti e prisioneiros de guerra do Exército Vermelho. Milhões de judeus assassinados em outros campos de extermínio alemães nazi tiveram o mesmo destino: em Treblinka, Sobibór, Bełżec, Kulmhof, Stutthof e dezenas de outros. As autoridades do Terceiro Reich planearam e implementaram o completo extermínio do povo judeu. Por isso criaram uma rede de campos que operavam como verdadeiras fábricas da morte. Os assassinatos eram realizados como as atividades industriais: centenas e milhares, efetivamente, levando em consideração o tempo e os custos do transporte, mantendo a documentação detalhada. Nunca houve desumanização e humilhação tão extremas de milhões de vítimas inocentes.
É difícil escrever, ler, falar sobre isso... No Livro Bíblico de Eclesiastes, encontramos as palavras: “Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor”. No entanto, esse esforço tem de ser feito. Precisamos levar esse conhecimento às novas gerações. Mesmo às custas do sofrimento que isso traz. Devemos moldar o futuro do mundo com base em uma profunda compreensão do que aconteceu há mais de 75 anos no coração da Europa e sobre o que as testemunhas oculares ainda contam. Que o eterno aviso seja o que aconteceu com a nação dos descendentes de Leibniz, Goethe, Schiller e Bach (quando foi infectado por um vírus de orgulho imperial e desprezo racista). Não devemos esquecer que o último passo decisivo para a Segunda Guerra Mundial – sem a qual não haveria tragédia do Holocausto – foi um acordo secreto de Hitler e Estaline de 23 de agosto de 1939. Tal acordo previa a privação de liberdade e soberania dos países da Europa Central e Oriental. A estreita cooperação de ambos os regimes totalitários iniciada naquele período durou até as últimas horas antes do ataque: quando a Alemanha nazi surpreendeu a URSS em 22 de junho de 1941.
A verdade sobre o Holocausto não pode morrer. Não deve ser distorcida ou instrumentalizada para qualquer finalidade. Em nome da santa memória do extermínio dos judeus e em respeito às outras vítimas dos totalitarismos do século XX, não podemos e não vamos tolerar isso. Continuaremos os esforços para que o mundo lembre desse crime. E que nada parecido aconteça novamente.
A missão de revelar a verdade sobre o Holocausto e o apoio aos judeus ameaçados de extermínio foi assumida muito cedo pela resistência polaca. O Estado Secreto Polaco, instituído em nossas terras ocupadas, tentou proteger todos que até recentemente eram cidadãos da Polónia Independente. Em setembro de 1940, um oficial do Exército Polaco, Witold Pilecki, atuando em cooperação com as autoridades polacas clandestinas, voluntariamente foi preso em KL Auschwitz. Escapou em abril de 1943 e em seguida transmitiu um relatório sobre o que estava a acontecer no campo, que dizia: "Os doentes [do tifo], os inconscientes e os quase recuperados (...) foram postos nos carros e levados (...) para câmaras de gás. (...) Um rapaz de oito anos pediu a um soldado da SS que o deixasse. Ajoelhou-se diante dele no chão. O soldado da SS chutou-o no estômago e atirou-o para o carro como se fosse um cachorro". Assim como Jan Karski, o emissário das autoridades polacas no exílio, viu com os seus próprios olhos as atrocidades que ocorreram no gueto de Varsóvia e no campo alemão de trânsito em Izbica. Karski preparou um memorando sobre o genocídio sistemático alemão dos judeus. A partir de dezembro de 1942, apresentou-o aos grupos de formação de opinião e as mais altas autoridades dos países aliados. Antes, o general Władysław Sikorski, Primeiro-Ministro do Governo Polaco de Londres, encaminhou aos Aliados a nota aprovada na reunião do Conselho de Ministros de 6 de junho de 1942. Nela, Sikorski relatou: "... a destruição da população judaica está a ocorrer em proporções inacreditáveis. Em cidades como Vilnius, Lviv, Kołomyja, Stanisławów, Lublin, Rzeszów, Miechów, realizam-se chacinas de dezenas de milhares de judeus. Nos guetos de Varsóvia e Cracóvia, a Gestapo realiza diariamente execuções em massa. (...) Os judeus na Polónia sofrem as mais terríveis perseguições de toda a sua história".
Simultaneamente, o Estado Secreto Polaco criou o Conselho de Ajuda aos Judeus junto à Delegação do Governo da República da Polónia. Graças ao Conselho, quase 50 mil pessoas obtiveram documentos, abrigo, dinheiro e assistência médica. Diplomatas polacos organizaram fugas de judeus para territórios não controlados pela Alemanha nazi. Uma percentagem significativa de sobreviventes do Holocausto foi salva graças a milhares de polacos Justos entre as Nações. Nas nossas histórias familiares, nos documentos históricos e literários, permanece a memória de muitas pessoas de origem judaica escondidas em sótãos, porões e celeiros. Histórias sobre oferecer aos judeus refugiados uma refeição modesta ou mostrar-lhes um caminho de fuga segura. É necessário saber que na Polónia cada gesto desse tipo era punido com a morte pelo ocupante. Isso aconteceu centenas de vezes. Entre milhões de polacos, também havia pessoas que podiam ajudar os judeus escondidos, mas eram incapazes de superar o medo de perder as suas próprias vidas e as vidas dos seus próximos. Havia também aqueles que, agindo no impulso, entregavam judeus às autoridades da ocupação alemã ou cometiam atos repugnantes em relação aos judeus. Nas dramáticas circunstâncias daquela época, aqueles criminosos eram julgados e executados pelo sistema de justiça do Estado Secreto Polaco.
Os campos de concentração alemães nazis construídos na Polónia ocupada eram e ainda são até hoje uma humilhação insuportável para nós. Constituem uma negação drástica de nossa cultura milenar e história, o espírito polaco de liberdade, tolerância e solidariedade. Durante séculos, o genocídio dos judeus, embora fosse realizado em quase toda a Europa, foi um golpe particularmente severo para o Estado Polaco, multirreligioso e multinacional. A comunidade judaica na Polónia antes da guerra foi uma das mais numerosas em toda a história desta nação. Dos 6 milhões de cidadãos da República da Polónia que morreram na Segunda Guerra Mundial (mais de um quinto da população total), 3 milhões eram judeus polacos. Foi o maior grupo de vítimas do Holocausto. Em poucos anos, a comunidade judaica que viveu e se desenvolveu em nossas terras durante quase dez séculos, desapareceu quase completamente. A Polónia perdeu milhares de artistas, investigadores, médicos, advogados, oficiais de justiça, empresários, artesãos, comerciantes e outros especialistas valiosos de origem judaica. Entre os assassinados estavam cônjuges, amigos, vizinhos e colaboradores de pessoas com raízes não judias. Nas nossas cidades, preservamos a memória sobre o martírio de judeus reunidos pelo ocupante alemão nos distritos prisionais, ou seja, nos guetos. Atualmente, apenas algumas sinagogas dos tempos pré-guerra servem como casas de oração. O ídiche e o hebraico não ressoam nos antigos edifícios das escolas religiosas judaicas ou nas casas de banho rituais. Existem quase 1.200 cemitérios judeus identificados dentro das atuais fronteiras polacas, mas não há quem visite as sepulturas. Obras de arte e artesanato judaicos, livros antigos, gravuras, manuscritos de estudiosos, escritores e compositores foram irrevogavelmente destruídos.
Contamos a história dos judeus na Polónia e do seu mundo aniquilado através de publicações e conferências científicas, festivais, exposições, concertos e monumentos, como parte das atividades de instituições científicas estatais e instituições culturais, como museus, teatros, arquivos ou bibliotecas. Comunidades religiosas judaicas, organizações sociais, editoras e revistas estão gradualmente a renascer. Apoiamos essas atividades porque na história dos judeus polacos e do seu martírio, o nazismo alemão não pode ter a última palavra.
A memória sobre a tragédia do extermínio de judeus deve ser um elemento importante e duradouro da educação para a paz. Uma história que penetra nos corações humanos, quebra as barreiras do preconceito, divisões e ódio. Uma lição sobre como mostrar compreensão e ajudar as pessoas mais afetadas pelo destino.
É nesse espírito que celebraremos o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Por decisão da Assembleia Geral da ONU, há 15 anos comemora-se este dia no aniversário da libertação de KL Auschwitz. Portanto, em quatro dias, no Museu Estatal Polaco de Auschwitz-Birkenau – local onde estão espalhadas as cinzas de mais de um milhão de vítimas do Holocausto – nos encontraremos com líderes e altos representantes de países de todo o mundo. Sobreviventes idosos vão nos acompanhar. No 75º aniversário do fim simbólico do extermínio, vamos dar testemunho da verdade. Juntos, apelaremos à paz, à justiça e ao respeito entre as nações.
Eterna memória e honra aos mortos em KL Auschwitz!
Eterna memória e honra às vítimas do Holocausto
Fot. Presidência da República da Polónia
Materiais
The Truth That Must Not DieThe_Truth_That_Must_Not_Die.pdf 0.17MB